sábado, 31 de outubro de 2015

Meu amigo José.

_José, cadê você? - pergunta ao celular.
_No mesmo lugar de sempre, por quê?
_Porque eu te conheço há 16 anos e eu sei quando você vai fazer merda.

A ligação cai. João encontra José.

_Que que você ta pensando?
_Eu, João? O que você está pensando?
_Seu psiquiatra me ligou. Eu sei o que está acontecendo.
_Ótimo, então não vai tentar me impedir.
_José, você é forte, inteligente, não pode se deixar abater por qualquer coisa não.
_ Ai ai - ri descontroladamente- é irônico você usar meu nome justamente antes de falar isso. Maldito Carlos Drummond de Andrade, me amaldiçoou com este poema.
_Como assim?
_João, sabe quantas vezes eu tentei acreditar nisso, que eu sou duro, que eu marcho? Sabe quantas vezes me vi no "a festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu"? Mas de todas aquelas estacas que vocês chamam de versos, uma só foi agoniante o bastante pra me deixar sem sono. Nunca achei resposta pra tal. Nunca achei razão, muito menos vontade de procura-la. 
_Qual?
_Você sabe que eu não acredito em horóscopo. Como de praste, não acredito nem em deus, vou por fé em umas luas e estrelas. Mas voltando, eu nunca acreditei em horóscopo, desde pequeno eu sempre soube que aquilo era feito de modo ambíguo para que pareça que aconteceu mas na verdade são todos iguais com palavras diferentes, são todos falsos, são todos distração. 
_O que isso tem a ver?
_Eu lia o horóscopo todos os dias, não sei o porquê. Só fazia. Vai ver era falta do que fazer, ou um pequeno faixo de esperança de encontrar esperança, anyway. Eu li, todos os dias o que aconteceria com Escorpião. Você vê, eu não acreditava naquilo, eu não gostava daquilo mas mesmo assim estava eu lá para mais um jornal, para uma falácia.
_José, você não está mais fazendo sentido.
_Eu nunca acreditei na vida. Mas como eu disse: eu decidi parar de ler o horóscopo.

João sem reação, deixa seu gauche amigo naquele lugar lúgubre. Sem antes abraçá-lo e dizer que o ama. Foi tomar um cerveja, foi continuar sua vida.

_João, joão...algum dia saberás.

Em algum bar sujo há quadras do acontecimento, João finalmente entendeu, depois de alguns copos.

_ José, e agora?
   José, para onde?


segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Os trens de Sumidouro

Escrevo todos os dias na minha cabeça.
Mas parece que quando
vou buscar os textos no fundo dela,
eles já correram pra mente de outro.

Talvez eu não fosse o suficiente.
Foram pros mais felizes,
pros mais tristes.
Eu continuo mediano, aqui. Gauche.

Só assistindo essa imensa estação
"intercabeçária" entre minhas orelhas.
Enquanto as palavras transitam
e meu coração parte.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Monólogo: Pai.

Ahhhh, infância. Terra dos inocentes, onde se colhe a felicidade. Lá achamos os heróis, escondidos debaixo de responsabilidades e estresse. Lá encontramos estas criaturas, até então, fantásticas. São incríveis, trabalham, cuidam da gente, fazem comida, nos limpam, sempre têm tudo sob controle. Ahhhh doce infância, ainda é pueril e não enxerga, e nem deve, a verdadeira face do vida.
Ohhhh adolescência. Terra dos pervertidos, onde se colhe a humilhação. É lá onde a vida se mostra a vadia, que ela é. Vemos que nossos santos heróis passam todos os dias por encruzilhadas e que as vezes lá poem-se a conversar. As criaturas, agora não tão fantásticas, mostram-se horrendas, falhas e o pior de tudo: humanas.
Ohhhh, a vida adulta. Fazenda de discórdia, onde se colhe desespero. A face que hoje é dada não será a de amanhã e mesmo machucada aparentará forte, intocada e retumbante. A doce mel que é o orgulho, mel esse que é de vespa. As criaturas hoje já são heróis, hoje já não são importantes e não vivem mais nos itinerários.
Ahhhh finalmente, a velhice. Deserto de dissipações, onde tudo que poderia ser colhido, foi. Entendo-vos agora criaturas, entendo-vos pois não fui perfeito; entendo-vos pois falhei porém agora percebo. Falhei pois sou humano e nada tenho de difamar-me. Hoje vejo o quanto morreram por mim até se esgotarem. A humanidade de cada é o que torna-nos únicos. Percebo agora que sou criatura também, que também fui herói e diabo mas hoje sou humano. Humano, pai. Pai, humano.

Por que estas palavras são tão antagônicas com sentidos tão iguais?